Sobre exames, vozes do coração, peito aberto e grama...
Ontem, pela primeira vez, ouvi meu coração em
alto e bom som. Foi meu primeiro ecocardiograma. Entrei na fase daqueles exames
de quem não é mais jovem. Era pra já ter feito, mas como nem sempre escuto os
gritos da razão, eu demorei. O médico me explicou como seria, pediu para que eu
pudesse me preparar e assim que deitei na maca começou o exame. Enquanto ele atinha
os olhos vendados ao monitor, eu olhava tudo atentamente.
Um dos perigos da rotina, é fechar nossos olhos
para o inusitado no cotidiano. Um dos valores da novidade é ter nos olhos físicos
ou da alma, a porta de entrada principal para a experiência. Meus olhos fixos ao monitor, minha cabeça
tentando entender o que eu não tinha nenhum saber acumulado para tanto, se uniram
ao ouvido para escutar, mais que de repente, aquele som. Enquanto escrevo sobre
isso, tento encontrar palavras para descrever tal experiência. Som do coração é
difícil de identificar, talvez por isso a gente cometa algumas besteiras.
E os sons? Com o que se parecem? Talvez um
misto de água descendo pelo ralo em busca do rio, de estômago ronronando desejando
comida, e de barulho que desentupidor de pia provoca, não sei bem. O que
percebi é que não é apenas um som. Se há mais de um som audível, imagina a quantidade
daqueles que a gente não escuta, mas sente? Algo me chamou atenção para que eu
pudesse ver e ouvir meu coração no ecocardiograma: era preciso estar de peito
aberto. Deitei na maca de roupão e sutiã, mas o médico me disse: você precisa
tirar o sutiã. Fiquei pensando o quanto a gente tem dificuldade de tirar as
couraças da vida, aquilo que nos aperta e sufoca, para poder ouvir em alto e
bom som as vozes do coração.
Ao final, o médico parece que escutando o meu
silêncio ansioso por saber se estava tudo bem, me disse: Andreia, a princípio
parece que está tudo bem, só a presença de alguns sopros, mas nada sério.
Pensei comigo: sim, eu preciso ter sopros no coração! O sopro do Espírito, o
sopro da vida, o sopro do sonho, pois eles trazem em si a preservação do meu
direito de falar e a renovação das vozes do meu coração. E pra fechar esse texto:
poesia, o som maior de um coração:
A cerca seca
Quando a
gente se acerca
A corda corta
Quando a
gente acorda
Acercar-se
corta a corda
Acordar seca
a cerca.
E eu com
isso?
Faço eco ao cardio
na grama.

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