Sobre perdas e perdão



Desde muito cedo aprendi a pedir desculpas, minha mãe me ensinou que erros acontecem, precisam ser reconhecidos, assumidos, se possível concertados, mas nunca omitidos. No entanto, de forma paradigmática ou não, desenvolvi também dificuldades em errar, assumindo inclusive uma característica que hoje considero, mais defeito do que virtude: o perfeccionismo.

De forma muito dolorida entendi que perfeccionismo é uma expressão orgulhosa de uma ilusória onipotência, portanto, de um falso controle. É também uma forma de auto sabotagem, porque nos tornamos intolerantes, cruéis e inflexíveis conosco. Além disso, corremos o risco de que na valorização extrema do perfeccionismo, tenhamos dificuldade em admitir que outras pessoas errem. Quando elas fazem o que entendemos como errado, a partir da nossa lógica de perfeição, sobra pouco espaço para a misericórdia. Perdas e perdão não se imbricam apenas por sonoridade ou grafias semelhantes. Há muito mais do que isso.

O que se perde quando não se perdoa? O “não perdoar” é uma experiência comum a todo ser humano, volta e meia nos deparamos com isso. Assim sendo, não se torna difícil responder a tal questão, perde-se a paz, a tranquilidade e, por vezes, a coragem de voltar atrás. Muitas pessoas morrem sem exercer o perdão.

O que se perde quando se perdoa? Sim, há perdas no ato de perdoar. O perfeccionismo perde um pouco de sentido, a visão cristalizada perde a solidez. Elimina-se a possibilidade de receber consolo constante e vitalício por ter sido vítima de uma agressão ou ofensa. Perde-se a base para justificar suas posturas diante do erro de outras pessoas. Afinal, “gato escaldado tem medo de água fria”, no entanto prudência é muito diferente de desconfiança. Prudência leva a nos relacionarmos de forma cuidadosa conosco e com a outra pessoa. Já desconfiança, nos confina na solidão e na desesperança em relação ao ser humano.

Ainda destaco outra perda: o peso que sai das nossas costas e nos permite levantar a cabeça! E como é boa essa sensação. Senti isso por esses dias. E, nessa liberdade que me acalenta e aquece o coração, posso então escrever.  Se a dificuldade de perdoar é uma experiência inerente a nossa humanidade, o ato de perdoar é uma escolha determinante para a nossa humanização e, numa linguagem teológica wesleyana, para a nossa santificação.

Santificação é o processo de nos tornarmos cada vez mais semelhantes à Cristo e isso implica em abrir mão dos conceitos que nos afastam dele. Isso é incômodo e desafiador, mas é a nossa resposta amorosa ao convite de Jesus Cristo: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11.29-30).

Diferente do que se pensa, comprometer-se com a santificação não é penoso, muito pelo contrário o desafio está em experimentar uma paz diferente, a paz deixada por Jesus Cristo: “ (..) a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João 14.27).  

Se “não perdoar” é uma experiência e “se perdoar” é uma escolha, sob a ótica do processo de santificação, o perdão assume a condição de testemunho indispensável para abençoar as pessoas e para sentir os inúmeros benefícios do perdão divino. Exponha-se ao perdão em todas as dimensões que ele possa apresentar: o perdão de Deus, o perdoar a si mesmo e o perdão ao próximo!

No constante processo de aprender-me como um ser imperfeito e, como diz Paulo Freire, uma pessoa inconclusa, me despeço.

Com afeto,
Andreia
(Pastoral do boletim da Igreja Metodista de Santo André - junho/2016)




  

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