Que bom que não é feliz dia da mãe...
Que bom que não é feliz dia da mãe! E digo isso porque quando a maternidade chega na vida de uma mulher, ela faz com que todo dia seja um dia de mãe. Independentemente do exercício ou não da maternagem, a mulher se faz mãe e nunca se esquece disso!
Ser mãe, ser mais, ser iluminado, padecer no paraíso, cuidado, afeto, amor incondicional, são imagens vindas das mais diversas fontes, inclusive das nossas experiências que, ao longo da vida, vamos construindo UM conceito sobre o que é ser mãe.
O dia das mães, ao trazer esse importante papel no plural, me aponta para diversidade. Não há só um tipo de mãe! Ufa! Isso traz um alívio! Não há só uma forma de exercer essa função!
A maternagem não vem com manual, é um constante jogo de acerta e erra, conserta e quebra que no fim do dia, depois de vencida a jornada, pode até fazer tremer a perna, o coração e a razão.
No Livro de Reis (1 Reis 3. 18-26) há o relato de duas mães em seu exercício de maternagem. Não é de se estranhar que a figura principal desse texto seja o jovem rei Salomão. Esse é o evento que legítima a sabedoria de Salomão, pode-se dizer que é a "prova dos nove" (diferente da minha mãe, meu parco conhecimento matemático não me ajuda a entender essa expressão). Salomão pedira sabedoria ao Senhor, que imediatamente lhe concedera.
O primeiro ato explícito do reinado se dá nessa dimensão: o exercício dessa sabedoria. No entanto, não quero gastar mais do que um parágrafo e meio com Salomão porque hoje meus olhos se voltam, em sororidade, para aquelas duas mulheres no exercício das suas maternagens.
Além de mães, ou melhor, antes de apresenta-las como mães, o texto as aponta como prostitutas, provavelmente cultuais. O relato nos diz que ambas moravam juntas e dividiam o mesmo espaço. Me pego a pensar como seria esse espaço? Largo para a opressão da razão por ser tão pequeno para a opressão dos corpos?
Naquele quarto ao menos 4 pessoas: duas mulheres e dois bebês em condições nada propícias. Duas mulheres que sustentavam sozinhas a sua família e seus filhos. Um deles morre, provavelmente porque o corpo da mãe acabou por sufocá-lo. O corpo cansado da lida, os olhos marejados pelo sono, a fazem dormir e, nesse cochilo tão necessário, seu filho se vai. Por ser um cochilo, não dura muito. A mãe acorda e percebe que seu bebezinho está morto.
O anseio pelo descanso merecido e desejado, tinha feito seu bebê dormir para sempre. Que dor! E agora? Entre o desespero, a culpa e o amor, talvez distorcido, ela busca um outro bebê. Por desejar a qualquer custo a vida, não hesitou em provocar a morte e retirou o bebezinho da outra mãe que também dormia, e entregou a ela a preciosa criança que já não mais acordaria.
Com a alvorada, tudo ficou alvoroçado. Enquanto a mulher que buscara para si outro filho, investia suas forças em cuidar daquela criança que chegara, a outra mãe acorda e também se depara com a morte.
Há choro, há dor, talvez culpa também: como pude eu sufocar o meu neném? Ele era a maior parte do ar que eu respiro? Com os olhos alagados ia pouco a pouco reparando em cada parte desse bebezinho que fora, apesar das adversidades, cuidadosamente entretecido.
Foi com o olhar que só a boa maternagem dá, que num misto de alívio e perplexidade, ele percebeu que aquela criança não era a sua. Gosto de imaginar que enquanto essa dúvida surgira no coração, o chorinho da criança, aquele que a gente demora a perceber o motivo, começou a ecoar, era o sim para aquela angustiada mamãe. Talvez o choro pudesse assim ser traduzido:
- Ei, mãe! Você tem razão! Eu estou aqui! Sou eu mamãe querida.
Aquela mulher encouraçada e encorajada pelo sopro da vida vai para mais uma das suas lutas, naquele momento, a principal delas: resgatar seu filho! A conversa entre elas não deu jeito, era preciso ir mais além: a sala real foi o destino das duas.
Diante do rei estava, de um lado, a encorajada mãe que relatou tudo o que acontecera e pedira seu filho de volta. Do outro lado, a encarcerada mãe que não desejava abrir mão da criança que lhe amansaria o dolorido coração e lhe concederia novas possibilidades de vida.
O rei propõe uma inusitada forma de resolver a questão: corte a criança ao meio!
E agora? Mais um problema surgia para aquelas mulheres: eram elas que deveriam decidir o que fazer! A que perdera o seu bebê concorda com a divisão do corpo, já a mãe da criança abre mão do corpo para que o bebê tenha a liberdade da vida.
Mais do que gerar, a sabedoria proposta aqui é de uma maternidade que protege a vida, não que a sufoca. Não incorrerei na armadilha de condenar uma mãe e santificar a outra, pois no exercício da maternagem, entre erros e acertos, quebras e concertos, esses dois modelos aparecem. No intento de proteger e manter filhos e filhas junto ao peito, pode-se acabar por sufocá-los e até matá-los.
Ainda (registro esse desafio para mim mesma) não tenho entranhas para saber o que pode representar a dor da perda de um filho ou filha, gerado quer no útero ou no coração, mas a minha imaginação me leva a um mar de dor onde é preciso muita coragem e amor para não se deixar afogar! Que Deus sustente e proteja quem por isso já passou!
No intento de preservar a vida dos filhos e filhas, os exercícios de deixá-los ir são postos diariamente diante de quem materna. Quem protege a vida sempre a tem por perto!
Muitas vezes a nossa proteção a filharada é na verdade uma proteção egoísta, nos protegemos mais do que efetivamente a elas e eles. Isso acaba por aprisionar! Há que se ter cuidado!
Por outro lado, a melhor proteção é aquela que dá liberdade a vida, que garante que pequenas e pequenos cresçam em todos os sentidos!
Que o desejo de manter a vitalidade das memórias da infância, não nos deixe infantilizar as nossas crianças.
Hoje não é dia da mãe. É dia das mães! Não conhecemos os nomes daquelas mães da história, mas meu desejo é que quem materna, nunca se esqueça do seu nome. Pois quem você é, suas histórias e transformações fazem parte da sua maternagem e te ajudam a optar por qual maternagem seguir. A sabedoria vai acontecendo na caminhada, sob a Graça e a orientação de Deus e com a partilha das experiências.
De fato, não há uma manual ou uma bula. Que bom! Isso garante a nossa individualidade e a singularidade das relações. Para além do manual, é preferível que tenhamos princípios para a arte da maternagem. E os valores libertadores do Reino de Deus, a sabedoria contida em Jesus Cristo podem ser os princípios para proteger e enriquecer as relações familiares e também, para libertar, especialmente, as mulheres que não se encaixam no cândido e infalível (por isso irreal) estereótipo de mãe que vem sendo vendido nas esquinas por aí!
Feliz dia daS mãeS! (maio- 2016)
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