Ainda sobre as Marias: o mais valioso perfume tem o aroma da liberdade

A angústia da sexta-feira dava o tom, o som e o paladar do sábado. O dia do descanso naquele sábado, não era uma porta aberta para a plenitude e contemplação da vida, mas cercas que as faziam caminhar de um lado para o outro sem sair do lugar. O sábado era vivido a cada segundo como o planejamento do domingo, não havia descanso, mas o cansaço provocado pela tristeza, fazia do repouso algo inalcançável.

Elas sabiam onde estava o corpo e precisavam se organizar para chegar até lá, de forma que a clandestinidade estivesse a reinar. Ninguém, nunca, poderia saber, só não imaginavam que, mais tarde, seriam elas as primeiras testemunhas da boa notícia que se espalharia aos quatro cantos.
Na sexta, choravam juntas. No sábado, juntas estavam a planejar e a consolarem-se mutuamente. Muitas vezes o maior consolo é esse: para além da morte, é preciso seguir adiante perfumando a vida.
A solidão faz-nos cerca de nós mesmos, nos ilude o olfato e abrevia o paladar. A necessária solitude nos convida a valorizarmos a riqueza de se estar junto, o tesouro da amizade. As Marias unidas estavam e se entreolhavam com aquela cumplicidade chamada sororidade.
Me aventuro a imaginá-las tramando planos para subverter a ordem e a hora. A (re)construção das suas identidades que acontecia a cada dia no Caminho e na cozinha, lhes possibilitava conspirar. Era ar de liberdade que elas, secretamente, aspiravam. O Mestre estava morto e elas, mais vivas do que nunca, do que nunca!
Apesar de toda dor, posso ouvi-las dizer:
Que força é essa que me cai nas mãos? Que ousadia é essa que me calça os pés? Que coragem é essa que me envolve o corpo?
A força, a ousadia e a coragem fizeram o relógio andar mais rápido, o sol e a lua corriam atrás dessas mulheres que determinadas se levantariam bem cedo, romperiam as portas da casa e ocupariam lugares não legitimados. Não foi fácil, não é fácil e ainda, por um bom tempo, fácil não será. Porém, lá foram elas e lá vamos nós!
No domingo elas se (re)encontraram com Jesus, mas gosto de pensar que para além disso, se encontraram consigo mesmas! Sim, a sororidade venceu. Elas chegaram até lá, mais precioso que os perfumes que traziam era o aroma de liberdade que as suas vidas exalavam.
Que os nossos encontros umas com as outras, uns com os outros, nos abram portas e arranquem cercas!
Que a sororidade tão veementemente combatida pelo machismo, perfume o nosso corpo e fecunde o nosso ventre.
Que os encontros que as comunidades de fé propiciam entre Jesus e as mulheres, não lhes joguem para dentro do túmulo, mas lhes empoderem a falar e a ocupar os espaços que desejarem.
Para terminar uma frase que me cheira bem, muito bem: lugar de mulher é onde ela quiser!

Imagem:HE QI III EASTER MORNING
Fonte: artbible.net

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