Alguém me tocou e eu comecei a sangrar!

                                                                                                         Sobre o dia 14/05/2015







Há 58 minutos um novo dia começou a nascer, mas pra mim ainda é ontem. Corro de um lado para o outro, arrumando aqui e ali, mas dentro de mim tudo bem bagunçado. O movimento frenético das minhas emoções faz as veias pulsarem mais rápido, o estômago apertar e o coração desejar falar, por isso escrevo.

Esse frenesi me remete ao potente movimento do metrô às 19h. Catracas girando sem parar, trem chegando, trem partindo e pessoas de um lado para o outro seguem, seguem ,seguem e, algumas, perseguem...Foi ali que as coisas saíram do lugar. Depois de um dia intenso de atividades, volto pra casa. Diferente do que faço cotidianamente, precisei pegar um metrô. Ainda que fosse um horário de pico e a estação estivesse com muitas pessoas, o vagão que eu entrei estava "vazio", ao menos os corpos não se degladiavam por espaço.

Entrei, estava ainda me posicionando quando um homem entra. Ele abdica de ocupar os espaços livres com a perversa intenção de ocupar o meu corpo. No facismo da violência simbólica, ele se joga em cima de mim e toca a minha bunda (que me perdoem as pessoas de gosto literário mais refinado). Ele, sem pestanejar, toca -me na bunda, um popular "objeto de desejo" machista que faz os mais rígidos pescoços se virarem, a qualquer custo, de um lado para o outro.

Lembro-me daquela mulher que, sangrando há 12 anos, tocou Jesus e teve seu sangue estancado. Diferente dela, eu, ao ser tocada daquela maneira, comecei "a sangrar". Não era só o meu sangue, mas de todas as mulheres e homens, que pelos mais distintos motivos, da mais tenra à mais antiga idade, têm sido tocadas e tocados das mais violentas formas.

Fiquei com medo, ele não estava só, havia um outro homem com ele. A minha reação não foi a que eu gostaria, mas foi a que eu podia: apenas saí do lugar e mostrei, com muita raiva nos olhos, que eu não havia gostado daquilo, mas eu queria mais! Queria gritar com ele e pra todo mundo o que tinha acontecido. Foi tudo muito rápido, eu não tinha como provar, mas havia provado daquela violência, me calei...

Às falas machistas, de homens e mulheres, que podem escapar diante de relatos como o meu, respondo : eu não estava com roupas curtas e provocantes, o metrô não estava tão lotado a ponto de alguém ficar grudado em mim, tampouco dei mole para aquele homem. Há que se cuidar para não cairmos nessas armadilhas que dão continuidade ao abuso...

Chegou a estação da Sé, lá eu faria a baldeação. Eles desceram, fiquei com medo, mas como vi que caminhavam na direção oposta à minha, desci e segui...Peguei o trem para o meu destino e aqui estou tentando chegar em mim mesma, arrumar a casa e acalentar a alma...

Agora (15 horas depois) que retomei esse texto, volto ao relato bíblico da mulher que ao tocar em Jesus, foi empoderada e se expôs para denunciar toda opressão que lhe fazia sangrar. Com esse texto eu me levanto na responsabilidade de denunciar os abusos que sofremos não só na rua, mas muitas de nós em nossas casas: socos, pontapés, palavras duras, estupros, indiferença, exploração etc.

Me levanto para pedir que a Igreja pense, e repense como tem colaborado na construção de relações mais justas, respeitosas e solidárias entre as pessoas.

Em que medida um investimento fanático em uma espiritualidade mística que encobre o corpo e o cérebro, tem deixado de lado a face da adoração a Deus que se revela no cuidado com as pessoas? Falo da e para a igreja, porque amo esse espaço e nele circundo visceralmente, mas tenho consciência que tal responsabilidade não é só dela.

Que em nossos espaços cúlticos e educativos a gente possa ressignificar as relações de gênero para que pessoas não se sintam à vontade para oprimir e violentar corpos, não se sintam envergonhadas para denunciar os abusos sofridos e sintam-se comprometidas, engajadas na construção do pacífico espaço comum, regido por amor e justiça que nós, cristãs e cristãos, conhecemos como Reino de Deus...


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