Sobre padarias e costuras...
Gosto de sábados! Especialmente aqueles em que não firo o mandamento do
descanso. Hoje o estou ferindo, sigo trabalhando, escrevendo. Antes disso, fui
a padaria, não há dia melhor para se frequentar uma padoca (como dizem aqui em
Sampa). Rostos amassados com aquela marquinha de travesseiro; cabelo molhado;
nariz meio vermelho de tanto sabonete que passamos no rosto durante o banho;
calça de moletom; blusa meio furadinha e disfarçadamente (ou não) amarrotada,
são figurinhas fáceis de se encontrar num dia de sábado na padoca.
No meu
encontro com a sorridente mulher que sempre me atende (acabo de esquecer seu
nome, mas é impossível não lembrar do seu carinhoso sorriso que me abraça como
um Bom Dia), escuto: “o mesmo de sempre né?” e completa: “minha linda”,
duvidando de que ela realmente lembre o que gosto, eu digo: “sim, pão bem
torradinho e café com leite bem escurinho”, ela então completa e, assim,
confirma que não esqueceu: “no copo, né?”. Para mim o copo é determinante no
sabor do café com leite, esquisitices das afetuosas lembranças para não serem
esquecidas.
Delicio
o meu café com leite, observando pessoas, paisagem, o tilintar dos talheres e,
porque não dizer, o prato das pessoas. Fico impressionada com quem consegue
comer bacon e salsicha de manhã, a careta do meu estômago é maior do que a que
se estampa disfarçadamente no meu rosto. O tempo passa, a comida acaba e a
vontade de comer mais um pão, às vezes até aparece, mas não foi o caso hoje, me
levanto com a barriga cheia, o coração feliz e um desejo de agradecer, mais uma
vez, o precioso atendimento.
Como se dá algumas vezes, o papo estica e ela, assim como eu, está feliz
com o dia: temperatura amena, uma garoinha em meio a esse calor e o gostinho de
um sábado caseiro. Confirmo o seu sentimento e afirmo que hoje está um dia
gostoso e até mais propício para trabalhar, sentencio que é isso o que vou
fazer. Ela meio assustada ou com dó, não sei, pergunta se estou trabalhando,
digo que sim e ela continua: “ai que delícia trabalhar em casa! Com o que você
trabalha? Você costura?”, respondo: “não, eu escrevo”, surpreendida pela
resposta me deseja um bom trabalho, se despede e vai, carinhosamente, trabalhar
e costurar, por meio do seu sorriso, um tempo bom no coração das pessoas.
Achei
curioso: por que ela viu em mim uma costureira? Não faço a mínima ideia. Mais
imediatamente me lembrei que quero herdar a máquina de costura da minha mãe,
não se animem! Não faço ideia de como costurar, quem sabe um dia... meu desejo
principal é que ela se transforme em lembrança da mãe que pouco a usou, há mais
sentimento do que pragmatismo nesse desejo de ter uma máquina de costura. Para
além do verbo costurar que diz respeito a criar ou reformar roupas, gosto da
ideia da costura especialmente quando a vejo como o ato de dar ou resgatar
sentido aos panos. O dicionário define costurar como “ato de unir duas partes,
geralmente de pano, com auxílio de agulha e linha, dando pontos entre as partes”.
Eu ainda não costuro roupas, mas sigo costurando a vida...
Na
criatividade e no desejo da novidade quero unir outras realidades às minhas sem
perder a dimensão de que na própria vida, rasgos acidentais, provocados,
cotidianos e corriqueiros acontecem. Desejo que, no que der para coser,
eu assim me esforce e no que não der, eu tenha a habilidade de transformar e,
porque não dizer, customizar - uma palavra do universo da moda. Na costura da
vida, é preciso perceber que uma vivência aqui e outra ali podem ser os
retalhos que faltam para embelezar a nossa história.
Não dá
para esquecer que com agulhas e linhas também se costura o corpo rompido, nesse
mecanismo está o cuidadoso desejo de preservar-se, defender-se e sobreviver. É
por isso que nos damos ao trabalho de costurar o que foi rasgado em nós. Seja
em pano, seja em carne, há que se ter agulhas e linhas e essas variam de acordo
com a necessidade da costura.
Por que não costurar a ideia de que linhas e agulhas são nossa forma de
ver a vida; nossa esperança; nosso desejo de ir além; nossas memórias; nossa coragem;
nossa dor e tudo aquilo que nos movimenta em direção à vida, em direção à criar
e recriar possibilidades. Não tenho tanta habilidade para usar agulhas e linhas
nos panos, ela se limita em prender um botão aqui outro ali, mas em relação à
vida sigo amparada na certeza de que o Criador, a costureira maior, me ajudará
a criar, recriar ou remendar o que for preciso. Reforço o ponto de que vejo
Deus como a costureira, não o quero como o estilista ou personal stylist que
costuram a vida e as pessoas à uma roupa fabricada por trabalho escravo ao
sistema vigente.
Por
seguir desejando costurar a vida, vou cuidando das minhas agulhas e linhas,
pedindo a Deus a sabedoria para usá-las adequadamente. Quer saber, num outro
sábado, na mesma padoca, preciso dizer a bela moça que sim, sou costureira e,
por agora, não de panos, mas da vida.
Entrelinhas
e agulhas nas palavras, me despeço com o desejo de costurar alegria e esperança
em quem lê.
Andreia


lindo texto!
ResponderExcluirIsso vindo de alguém que se nomeia crítico, acho que pode ser um elogio. rssss. Obrigada!
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