Qual o lugar de homens e mulheres?
“Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” Lucas 10.41
É menino, é menina! O resultado no ultrassom é a entrada
para o mundo, a partir daí roupas rosas e azuis dominam o enxoval e os
carrinhos e bonecas, os quartos. Mais tarde, a criançada entra na brincadeira meninos X meninas. A
brincadeira passa e a coisa fica séria, se fortalecem a competição e as
relações desiguais entre homens e mulheres... Até quando?
Maria escolheu a melhor parte
Jesus acabara de chegar e merecia a
melhor acolhida. Marta, conhecedora de seu lugar e função, sem pestanejar
começa a trabalhar. Cozinhar aqui, varrer ali, limpar acolá e a casa foi
acolhendo quem ali chegava. Maria, conhecedora do seu lugar e função, talvez
pestanejando, foi em busca de outro espaço: sentou-se aos pés de Jesus, posição
característica de um discípulo. Em um tempo onde o pensamento dominante era:
“aquele que ensina a lei à sua filha, ensina-lhe a devassidão e que é
preferível queimar a Torá que ensiná-la às mulheres”, Maria afirmou que
desejava e podia ocupar outro espaço naquele cenário.
Marta foi ensinada a estar,
especificamente, num lugar. A possibilidade de mudança, pode tê-la assustado.
Além disso, ao sentir-se sozinha no trabalho, precisava de ajuda, mas entre
Lázaro e Maria, ela havia aprendido que só tinha uma pessoa a chamar: Maria.
Para isso, Marta quer o apoio de Jesus. Diferente do que ela e outras pessoas
esperavam, Ele legitima o lugar que Maria escolheu e chama Marta para ocupar o
mesmo espaço, que até então era destinado aos homens.
Marta, Maria e Jesus viviam uma cultura
patriarcal, que instituiu o poder para os homens e a servil obediência para as
mulheres, é nesse contexto que interagem e transformam suas relações. Nós vivemos
em uma cultura patriarcal, que nem de longe é a da época de Jesus, mas o
domínio patriarcal ainda existe e dá muitos subsídios para que o machismo
permaneça. Isso fica tão naturalizado que não nos damos conta das
desigualdades, achamos que é normal porque sempre foi assim. O alto índice de
violência contra as mulheres, o fato delas receberem um salário menor que os
dos homens, o choro negado aos homens, o peso de ter que defender a honra
masculina a qualquer custo, a baixa representatividade de mulheres em cargos de
poder, são indícios de tal cultura, mas não para aí.
O domínio patriarcal também está nas
estruturas eclesiásticas, muitas delas sequer concebem a ordenação de mulheres,
mas as que concebem ainda têm os espaços de poder majoritariamente ocupados por
homens. Assim como na casa de Marta, em muitas igrejas mulheres e homens têm
funções e lugares bem definidos. Quem geralmente trabalha no ministério
infantil? Nas cozinhas? Na coordenação da administração e das obras? Ainda que
seja comum, isso não totalitário. Essa divisão era bem mais forte na época dos
meus avós. Muita coisa mudou! Mas ainda há muito a fazer! Ainda hoje, há quem
ache que lugar de mulher é na cozinha da igreja e que a sociedade de mulheres
está lá para cozinhar.
Pastoras que têm a autoridade e
competência questionadas por serem mulheres, pastores mal interpretados quando
possibilitam que mulheres assumam áreas historicamente destinadas aos homens,
pessoas que olham de forma preconceituosa para mulheres separadas e homens solteiros,
ainda revelam o quanto a cultura patriarcal rege ações e opiniões. Até quando?
Nem de longe tenho a intenção de
colaborar com a brincadeira de meninos contra meninas. Escrevo porque acredito
que a melhor opção é viver aos pés de Jesus, mas não nego que é também a mais
arriscada. Discípulas e discípulos precisam optar por estar aos pés de Jesus e
assumir a responsabilidade de conduzir outras pessoas a esse espaço; precisam
ter coragem de se levantar e assumir responsabilidades domésticas para que as
mulheres exerçam seu direito ao discipulado nas mesmas condições que os homens;
precisam abrir mão de conhecimentos que oprimem em função da Verdade que
liberta. Fica a nós o desafio de acolher as palavras de Jesus, sentarmo-nos aos
seus pés, nos educarmos como igreja para assegurar relações mais justas e
igualitárias entre homens e mulheres. Todas as pessoas são bem-vindas aos pés
de Jesus para aprender Dele e agir como Ele.
A marca da cultura patriarcal é a
pirâmide, já a do Reino de Deus é a mesa: o lugar onde Ele escolheu para nos
servir, onde nossos olhos se abrem e onde já não há maiores ou menores,
primeiras ou últimas. Para que a sociedade se transforme, temos que
começar em nossa casa. É preciso assegurar outros papeis a homens e mulheres
para que as crianças nunca mais saibam que as pessoas estiveram/estão em
condições desiguais por terem órgãos genitais diferentes.
Publicado no jornal Expositor Cristão -
Março de 2015, ano 129, nº 03. Disponível em www.metodista.ogr.br

Olá Andreia,
ResponderExcluirGostei muito desta visão sobre este conhecidíssimo texto. Ainda não tinha visto por este ângulo, bem pertinente em nosso país.
Sou da IPB, Igreja Presbiteriana do Brasil, num bairro aqui do Rio. Ainda, como muitas denominações, não temos diaconisas, presbíteras, nem pastoras. Inventaram um cargo de "Auxiliar de diaconia" onde entram alguns jovens masculinos e senhoras "piedosas". Aqueles poderão ser diáconos algum dia, estas sempre serão auxiliares.
Imagina né!
Abs
Carlos Henrique
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá Carlos, pra nós fica o desafio de pensar e construir outras relações! Que na graça e na esperança, a gente siga...BJ
ResponderExcluirÉ sim, graça e esperança.
ResponderExcluirÀs vezes é desanimador a inércia, especialmente nas igrejas. Ainda me lembro de quando eu era um adolescente, 16 ou 17 anos, me deparei com uma vontade profunda de ser um pastor. Comecei a ler alguns livros sobre o assunto. Teve um que dedicou um capítulo a explicar por que as mulheres não deveriam ser ordenadas pastoras na IPB. Os motivos seriam bíblicos e biológicos. Dentre os motivos biológicos, me lembro, estava o fato de ser muito feio uma pastora com um barrigão de 8 meses no púlpito.
É uma longa e escaldante caminhada. Falo como machista que sou, assim como, mesmo sendo negro, ter dentro de mim o germe racista.
Mas é pra frente que se anda.
Em tempo: não sou pastor! Gosto de Matemática, rs.
Bj
CH
Parabéns pelo seu texto, nunca tinha observado essa parte da bíblia que fala das irmãs Maria e Marta por essa perspectiva, muito lógico e importante para os questionamentos que precisam ser feitos hoje diante de tanto machismo e discriminação contra a mulher, dentro das Igrejas, que Deus a abençoe muito e continue firme nesse propósito.
ResponderExcluirObrigada! Que nós sigamos nessa luta e que Deus nos dê graça e Sabedoria! Um beijo.
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