Black RETRÔ: uma perspectiva a propósito da campanha da FARM



Não “Farme” falta conhecer famosas marcas de roupas, aquelas que muitas de nós mulheres negras e não negras, nem sequer temos acesso às lojas onde estão expostas, que dirá às peças. Muitas dessas marcas, especialmente nos últimos tempos, chegam ao meu conhecimento a partir da exploração humana, como é o caso da Zara que, segundo a mídia, está envolvida ou conivente com a escravização de bolivianas e bolivianos. Hoje li um post muito interessante no blog “Que nega é essa” sobre a nova campanha da FARM: Black Retrô.
A blogueira, ao analisar o fato, destaca uma afirmativa de Kátia Barros, diretora criativa da marca: “A coleção foi pensada sobretudo pra reconhecer a beleza e a elegância da cultura negra. A ideia de trazer o retrô dentro da cultura black é resgatar a elegância do passado, é um resgate à memória”.
Assim, segui em busca de perceber a elegância do passado e o resgate à memória. Na página da referida loja, encontrei um catálogo para a pré-venda da coleção. No que tive paciência para observar, descobri peças que variam de R$ 598,00 à R$ 69,00. Não sou a melhor pessoa para analisar moda, acho até que preciso me inteirar mais. Por que tal iniciativa? Há quem diga que isso se deva, em parte, as críticas que recebe por conta da ausência de negros e negras em sua política comercial, mas não só, dizem ser também uma resposta ao burburinho que causou com a exploração comercial de Iemanjá, um ícone sagrado das religiões de matriz africana.
Como foi valorizada a cultura negra que comumente não é exposta em seus editoriais? As fotos da campanha me ajudam em algumas inferências. O lugar escolhido:Lençóis Maranhenses, dunas, sol tórrido, mar, vastidão natural e embriagante, é lá que elas estão com vestidos esvoaçantes. Não para por aí, há ainda flores naturais no cabelo e o corpo negro pintado com marcas brancas. Será que isso vai dar zebra?
Para mim, a elegância do passado não está na estética europeia que escraviza os corpos negros desde muito tempo, se não me falha a memória. A almejada elegância se transformou na “breguice démodé” de, mais uma vez, cair no lugar comum de nos retratar como exóticas. A elegância do passado está com as Candaces, as princesas africanas, está com Nizinga; Dandara; Aqualtune; Acotirene; as irmãs Francisca e Medicha; Zacinda Gambá; Felipa Maria; Luiza Mahim; Carolina de Jesus e tantas outras negras que não cederam suas mentes, antes cultivaram nelas a resistência que se traduziu em luta, emancipação e, por isso, ocupa memórias subterrâneas porque não fazem parte de retrospectivas encomendadas.
Resgatar a memória é entre tantas coisas lembrar que o Maranhão em seu processo de escravização tardia, chegou a ter a mais alta população de mulheres e homens escravizados de todo Império. Esse movimento de escravização alimentou a necessidade de resistência e a bela e diversa natureza do Maranhão não foi usada para o exotismo, mas sim a favor da liberdade já que possibilitou a criação e proteção de muitos quilombos ao seu redor. A insurreição de negras e negros escravizados em Viana e a Balaida foram levantes populares liderados por quilombolas que subvertiam a branca ordem.
Por fim, não tem como esquecer dos valores que sustentam a alardeada elegante memória. Na renda média das mulheres negras brasileiras, que corresponde a menos da metade da renda dos homens brancos e a 56% da renda das mulheres brancas, não cabe esse elogio à cultura negra. Comprar uma peça de R$ 598,00 é investir um “pouquinho” mais de 75% do salário mínimo. Ai, ai, ai... Meninas, nem parcelando em 10 vezes sem juros, POR FAVOR!!!
Não quero com isso desmerecer nossa trajetória, nem invisibilizar nossas conquistas que seguem graças à muita luta, marcha e movimento, o que despretensiosamente desejo é não me vestir de enganos e oportunismos.
Por aqui se encerra minha retrô-perspectiva, e eu sigo na instigante deselegância de descobrir, memorizar e valorizar o que é esquecido. Não “farme” falta essa moda...


Fontes consultadas:


§  Que nega é essa: http://quenegaeessa.com/tag/farm/
§  Somos todas rainhas. Coleção História das Mulheres Negras: passado, presente e futuro: http://www.afrika.org.br/publica…/somos-todas-rainha-1ed.pdf


Andreia Fernandes, professora no constante exercício de re(ler) a palavra MUNDO.

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