Duas formas de olhar, duas paisagens sendo vistas: porque de
dicotômica a vida não tem nada ou quase nada...
O tempo de escrita é sempre muito
solitário e, às vezes, nada solícito. Na solidão sem solitude, levantar-se da
cadeira e olhar outras telas que não a do computador, faz-se necessário para
sentir a companhia da vida. Fui até a varanda, aquela que dá ao apartamento a
ilusão de uma casa no solo, mas que logo me lembra que estou nas nuvens e, por
mais que me sinta convidada a bailar com elas, isso será impossível. Há grades que
mesmo de corda são tão impeditivas quanto as de ferro!
Apesar das grades, as imagens
misturadas se falam e me falam: há nuvens pesadas prontas a chorar, há o sol
que se irradia nas janelas abertas e fechadas, enjauladas ou livres. Chorará a
nuvem de tristeza ou de alegria? Irradia o sol o amor que aquece ou a raiva que
queima? Sabe – se lá...talvez um, talvez outro, talvez os dois ou nenhum. Saber
sobre isso tem a ver como olho: se pelas grades ou pelas frestas.
As grades me são mais fáceis e
seguras porque assim sigo vendo a vida em branco e preto; em rosa e azul; em
céu e inferno; em riqueza e pobreza; em certo e errado; em mérito e demérito;
em paz e guerra. Sigo eu segura, mas fadada a construir grades ou pelo menos
mantê-las...
As frestas me são mais difíceis e
inseguras porque assim vejo que posso dar outro seguimento a vida. Um
seguimento que apura meus sentidos para o não visto, não sentido, não
saboreado, não ouvido e o não dito. As frestas me são mais difíceis porque me
dão suspeitas opções de escolha e forte responsabilidade de construção (o certo
seria desconstrução, a palavra proibida).
Acontece que a vida não se faz só
de grades ou só de frestas, ela é uma mistura de tudo! Nessa primavera que une
o verão e o inverno eu reafirmo a minha opção de olhar as frestas da vida
“engradada”. Acredito que provar das gotas da Graça e dos raios do Amor é se
embrenhar nas frestas e se emprenhar para construir um mundo menos dicotômico,
mais cômico, palavra que acabei de descobrir que é um termo de origem grega que
traduz textualmente a conciliação de ideias ou de situações aparentemente
irreconciliáveis. Se emprenhar pela reconciliação...
O dia anoitece e nos braços da
noite volto para essa tela para partilhar o que enxergo da vida na fresta da
grade da minha varanda...
Sobre o verbete cômico. Carlos
Ceia: s.v. "Cômico", E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord.
de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.edtl.com.pt>, consultado
em 09/11/2014


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